Produções orientadas de estudantes de Jornalismo da PUC-Rio

Enzo Krieger

A líder em justiça climática e executiva socioambiental Lara Martins afirma que o G20 no Brasil é uma oportunidade única de fazer o debate de justiça climática, que une a luta contra a crise do clima às discussões sociais. O inédito G20 Social, que amplia a participação de atores não-governamentais nas atividades e nos processos decisórios da cúpula, será uma forma de aproximar os interesses populares ao evento. Em entrevista ao Laboratório de Jornalismo da PUC-Rio, Lara cita a participação brasileira no maior fórum de cooperação econômica do mundo com a criação de três novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a organização do Favela 20 (F20). Gerente de projetos da BMW Foundation, na Alemanha, ela destaca que a crise do clima é o maior desafio do planeta, alerta sobre a extensão desse problema e cita os impactos nas populações em fragilidade social. Mais de um terço dos municípios brasileiros tem moradores em áreas de vulnerabilidade, onde é alto o risco de eventos geo-hidrológicos, como deslizamentos, enxurradas e inundações. 

O encontro de líderes de Estado será um canal de associação entre a luta contra a crise climática e a garantia de direitos da população. Lara Martins acredita na vocação do Rio de Janeiro em sediar grandes eventos e destaca o trabalho do Brasil na organização do G20. Ela também comenta sobre o papel das empresas nas mudanças do clima e o pioneirismo nacional no avanço da sustentabilidade mundial. O G20 Social, anunciado pelo presidente Lula na 18ª Cúpula de Chefes de Governo e Estado do G20, em Nova Déhli, na Índia, é composto por 13 grupos de engajamento: C20 (sociedade civil); T20 (think tanks); Y20 (juventude); W20 (mulheres); L20 (trabalho); U20 (cidades); B20 (negócios); S20 (ciências); Startup20 (empresas iniciantes); P20 (parlamentos); SAI20 (tribunais de contas); J20 (cortes supremas) e O20 (oceanos). Essas frentes deverão encaminhar as demandas e intenções das sociedades dos países do G20 aos líderes globais e influenciar as decisões do fórum. 

Formada em Comunicação na PUC-Rio, Lara foi a delegada do Brasil responsável pela área de inovação, futuro e justiça climática no Y20 em 2021, sediado na Itália: “Isso traz um legado muito grande em cooperação internacional e negociação com pessoas de culturas diferentes, além de um network muito grande. Esse é um tema muito novo no Brasil e principalmente no Rio”.

Além do grupo da Juventude, a organização do F20, realizado em junho deste ano no Rio, levanta a pauta social para conversas. As discussões promovem inclusão e integração. “O encontro foi para apresentar esse aspecto das favelas. E tem também a questão de trazer os povos originários, que nós já temos um ministério”, pontua a especialista.

O principal destaque do G20 Social será a Cúpula Social, entre os dias 14 e 16 de novembro de 2024, às vésperas da Cúpula de Líderes do G20. A vertente incentivará a construção de valores como justiça social, econômica e ambiental; dará voz à luta pela redução da desigualdade e proporcionará a troca de experiências entre agentes não-governamentais. Mais de 50 reuniões dos grupos de engajamento e outras atividades estão previstas para ocorrer no Brasil.

Bolsista do German Chancellor Fellowship e da Chevening, ambas em 2022-23, Lara destaca a inovação do governo brasileiro, que é uma forma de aproximar a realidade da população, porque, historicamente, o G20 é um fórum fechado para presidentes, ministros e representantes de cada país. “O G20 Social traz essa aproximação para o território e para as causas locais”, diz. 

O Rio de Janeiro, sede de eventos como Olimpíadas, Copa do Mundo, Jogos Pan-Americanos e Jogos Mundiais Militares, tem uma vocação para sediar grandes encontros. “Com o Rio como a capital do G20 (e a COP 30, em 2025, em Belém), sabemos apresentar o melhor do Brasil para os visitantes, que se encantam com a nossa cidade. E isso faz uma combinação perfeita para mostrar tudo que sabemos fazer muito bem, mas também as oportunidades de investimento de novos empreendimentos, de trazer pautas sociais para os olhos do mundo”.

Sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela ONU (17 objetivos com 169 metas a serem atingidas até 2030), a executiva lamenta estarmos longe de alcançar o alvo. A situação foi agravada pela pandemia de Covid. Ela acredita que provavelmente será necessário um novo esforço internacional. “A crise climática é uma ODS, a 13, e é essa ação conjunta que pode fazer com que tenhamos um olhar mais engajado para a Agenda 2030. É preciso falar sobre isso nas escolas, nas universidades, nas empresas, no governo e na sociedade. Provavelmente, outra articulação internacional vai ser necessária. Mas eu ainda penso que é possível reverter por meio desse engajamento”.

Ainda assim, acredita que o Brasil “está fazendo mais do que o próprio dever”. O país criou três novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – 18 (equidade racial), 19 (pluralidade e liberdade artística, cultural e comunicacional) e 20 (cultura dos povos originários e comunidades tradicionais). Cada nação traz as próprias peculiaridades para o evento. “O Brasil faz isso perfeitamente. O governo tem esse poder de transformar por meio de políticas públicas. Mas são necessários vários projetos de educação ambiental para incentivar todas as gerações”.

Uma das prioridades do governo brasileiro no G20 é a crise climática. É nesse ponto que entra o conceito de justiça climática, que busca associar a luta contra a crise climática à garantia de direitos das pessoas. “É aqui que se colocam os direitos humanos no centro da discussão da crise climática, o maior desafio que vivemos hoje como sociedade, porque a crise não é só ambiental; também é social. Não parece à primeira vista, mas afeta vários aspectos da nossa vida”, indica Lara.

A instabilidade é refletida no cenário brasileiro – mais de um terço das cidades do país (1.942 do total de 5.570) tem moradores em áreas de maior vulnerabilidade, onde a possibilidade de desastres naturais é reconhecidamente multiplicada, segundo dados da Agência Senado mapeados pelo governo federal.

“Quando temos altas ou baixas temperaturas, aumento do nível das chuvas, como no Rio Grande do Sul, e agora as secas e queimadas, isso afeta todo um ecossistema. A crise climática atinge a sociedade de formas diferentes. Tem muito mais impacto nas pessoas em vulnerabilidade social; nas mulheres, por serem as líderes da família, nos mais pobres, nos mais jovens. Afeta a oferta de recursos, de alimentos, mas impacta também no dia a dia. Imagina uma pessoa sem casa, sem trabalho. Tem tudo a ver com a economia”, adiciona a executiva climática.

Recentemente, o governo sancionou o Programa Nacional de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), focado na descarbonização do setor automotivo. O projeto propõe a redução de impostos de montadores que produzirem carros elétricos / menos poluentes e estimula pesquisa, desenvolvimento e inovação no setor automobilístico sustentável.

Para Lara, o programa, somado a outras iniciativas, indica que o Brasil é um líder nas discussões climáticas. O país possui capacidade de transformar os olhares para as emergências do clima. “O Brasil, além de colocar isso como uma das prioridades do G20 e ser a sede da COP 30, já ouve as pessoas certas – comunidades quilombolas, comunidades originárias, mas temos que ouvir mais. Já fazemos muita coisa baseada na natureza, nossas soluções locais já funcionam para resolver problemas globais. Temos potencial para incentivar e esperar o mundo todo nas instruções climáticas. Nossa matriz energética é uma inspiração para a discussão de justiça climática, ela é muito avançada aqui”.

A dedicação do mercado industrial é essencial para a democratização dessas questões. Lara idealiza o uso do poder da comunicação, da publicidade e do setor privado, um dos grandes emissores de gás carbônico e outros poluentes, para endereçar a crise climática. “Esse compromisso cresce ao longo dos anos. Cada vez mais, por uma demanda do público, as empresas se comprometem em reduzir as emissões e oferecer produtos e serviços melhores para a sociedade”.

Ela acredita que todas as empresas deveriam colocar G20 e COP 30 no radar e critica a ausência de ação de companhias.  “Toda instituição brasileira ou internacional que não esteja tentando fazer alguma coisa nesses eventos está pensando um pouco em paralelo.”

Segundo Lara, os responsáveis pela poluição deveriam assumir as consequências dessas atitudes. Um trabalho coletivo é necessário para amenizar os impactos causados até hoje. “Historicamente, quem emitiu mais não é quem sofre as maiores consequências da crise climática. Então, quando falamos de justiça climática, também discutimos essa questão de responsabilização, que hoje não é compartilhada, mas deveria ser”, completa.

A Cúpula de Líderes do G20 ocorrerá nos dias 18 e 19 de novembro de 2024, no Rio de Janeiro, e terá a participação de 19 países membros, mais a União Africana e a União Europeia. A COP 30 será em novembro de 2025, em Belém.