Enzo Krieger
A desembargadora Andréa Pachá ressalta a importância do “jornalismo de qualidade” para conter a escalada da desinformação nas redes sociais. Em entrevista por telefone, a autora de “A vida não é justa” lembra a responsabilidade de todos os cidadãos em combater as chamadas fake news: “Uma sociedade bem informada é menos permeável à rede de mentiras”. Neste sentido, ela defende a liberdade de imprensa, “consagrada nas democracias”, e a responsabilização das Big Techs pelos conteúdos distribuídos, que lucram em cima crimes cometidos nas mídias virtuais. E esclarece: “A prática de um crime virtual é igual à prática de um crime fora das redes”.
Como conter as fake news nas redes sociais?
Com mais educação e mais informação. Quanto mais informada a sociedade estiver, mais facilmente ela saberá lidar com as notícias mentirosas.
Quais as consequências da desinformação propagada em grande volume nos meios digitais?
São imprevisíveis. Podem acontecer tanto na perspectiva subjetiva e individual, como também podem impactar a política, interferindo na democracia e na vontade dos cidadãos.
Muitos não sabem, mas o simples compartilhamento de notícias falsas é crime. Como ampliar a conscientização sobre esse assunto?
Também com mais informação e com jornalismo de qualidade. Uma sociedade bem informada é menos permeável a essa rede de mentiras.
A impressão de que a internet é uma terra de ninguém pode ser revista apenas com uma legislação rigorosa?
Não. Além de uma legislação de controle, que ainda não temos e poucos países no mundo têm, porque é um fenômeno recente, é necessário que o comportamento e a cultura da sociedade compreendam a necessidade de aprimorar as formas de controle e de convivência na rede. É uma linguagem nova, uma comunicação que impacta diretamente nos relacionamentos pessoais e sociais, e são muitas novidades ao mesmo tempo, numa velocidade jamais vista. Isso exige muito mais do que apenas uma lei.
Qual o papel de cada cidadão em criar um ambiente saudável nas redes?
Os cidadãos têm, obviamente, responsabilidade pessoal no compartilhamento de notícias, de identificar e não repassar notícias falsas. Mas, para enfrentar esse fenômeno, exige-se muito mais do que o comportamento de um indivíduo. É uma comunicação de massa, é uma exposição em massa à desinformação de forma frequente. E é pouco provável que se imagine que um cidadão herói seja capaz de enfrentar toda essa máquina de desinformação e de mentiras.
Como os jornais e as empresas de comunicação podem ajudar nesses esforços coletivos contra a desinformação?
Apurar devidamente a notícia, procurar as fontes, pesquisar, investigar e tratar a informação como um produto relevante, de emancipação social. A informação é um bem tão relevante, que tem proteção absoluta do Estado. A liberdade de imprensa é consagrada nas democracias. Ela existe justamente para que o meio de comunicação possa livremente investigar, pesquisar, apurar e divulgar a informação real, verdadeira, que remeta aos cidadãos a um lugar em que eles possam criticamente avaliar e realmente se comportar diante das manchetes e dos fenômenos do cotidiano.
Meios como Instagram, Twitter (agora X) e WhatsApp deveriam ser responsabilizados e advertidos sobre usuários que propagam desinformação e, portanto, infringem as leis?
Certamente. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte decidiu que órgãos do governo federal americano podem pedir para as Big Techs removerem postagens perigosas ao interesse público nas mídias sociais. Essas empresas lucram com a desinformação. Se esse lucro chega aos proprietários ou às empresas que contribuem com a desinformação, elas devem ser responsabilizadas.
Checar as notícias recebidas no celular é um hábito que facilitaria a vida da população e o trabalho da Justiça?
Seguramente. Mas, é importante que o usuário tenha mecanismos para checar a informação devidamente, porque é um bombardeio de notícias falsas, sem que o cidadão tenha sequer a oportunidade de verificar. Talvez seja muito importante, nesse contexto, afirmar a relevância da imprensa como uma instituição que deve ser procurada quando se busca notícias, porque as redes sociais e a forma com que as informações circulam nas redes não têm nenhum compromisso com a responsabilidade de uma empresa de jornalismo. Então, é importante que o cidadão possa checar, mas que conheça os mecanismos de checagem.
Até que ponto as bolhas digitais dificultam a conscientização sobre a importância de verificar as informações disseminadas nesses ambientes?
A formação dessas bolhas influencia na perpetuação das convicções, nem sempre baseadas em dados verdadeiros. Quando você é levado para um ambiente em que as notícias chegam da mesma forma, com a mesma maneira de comunicar e reforçando as suas convicções, você não duvida de nada. Então, passa a reproduzir aquelas histórias como se fossem verdade. Essas bolhas dificultam o enfrentamento das mentiras e da disseminação de notícias falsas.
Um crime digital pode ser tão grave quanto um crime no chamado mundo real?
O mundo virtual é um mundo real. O cotidiano nas redes faz parte da vida real, embora a comunicação circule virtualmente. Um crime é tão grave em qualquer ambiente em que ele seja cometido. A prática de um crime virtual é igual à prática de um crime fora das redes.